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terça-feira, 8 de março de 2011

Diário infeliz


Era para ter sido apenas mais um sábado comum de julho de 1996, minha mãe pagando as contas pela manhã, meu pai cuidando do gado na roça do meu avô, e eu é claro em casa vendo TV.
Naquela noite tive muitos pesadelos, acordei tarde com uma necessidade imensa de tomar um banho. A casa estava vazia, mas pude ouvir o pedreiro cumprimentando o vizinho. Já estava tarde, mas ele parecia não estar preocupado com a pintura que ainda faltava ser feita.
Saí lá fora para pegar a toalha, Pedro, o pedreiro, me olhou com um olhar assustador e me desejou um bom dia como quem não queria nada, não dei ouvidos e fui tomar o meu banho.
Não tive pressa para sair dali, já que a água quente caindo pelo meu corpo estava muito melhor que lá fora, onde estava frio e o cheiro forte de tinta que me dava vômitos.
Maldito dia em que eu esqueci de levar uma blusa para vestir depois do banho ! Assim que terminei, enrolei na toalha e atravessei a sala para chegar ao meu quarto. Quando olhei para o lado, vi Pedro escorado na parede, parecia estar me esperando há horas, então perguntei o que ele tanto olhava e ele disse que me queria. Assustada, corri em direção ao meu quarto, tranquei a porta e permaneci por alguns instantes.
O meu coração batia forte, sentia as pulsações como grandes estouros em meu peito, o que me agonizava era não ter como entrar em contato com meus pais. Decidi esperar ali sentada em minha cama por várias horas, como não havia sinal de barulho algum, resolvi ver o que ocorria do lado de fora.
Ao abrir a porta me deparei com Pedro, que segurou as minhas mãos, me deixando sem reação. Me levou para a cozinha, e ali mesmo, tive os minutos mais agonizantes de minha vida. Depois de ter feito o que queria comigo foi embora, ameaçando de me matar caso eu contasse a alguém sobre o ocorrido.
Depois daquele momento, comecei a ter nojo de mim mesma, meus pais logo notaram o diferenciamento em meu comportamento, mas eu sempre negava e mentia, dizia que tudo estava bem.
Pedro ainda teve a cara de pau de continuar frequentando a minha casa mesmo depois de ter terminado a pintura. Me fuzilava com o olhar, que me dava arrepios.
Aquela vontade de falar o que havia acontecido comigo me consumia aos poucos.
Em uma típica sexta-feira do mês de outubro, depois de 3 meses, criei coragem e fui até a delegacia, minhas pernas tremiam e minhas mãos suavam. Fui mal recebida por um policial que se dizia ser delegado e me perguntou :
- O que a criancinha está fazendo aqui ? Papai está preso, é ?
Eu queria era ir embora dali, mas fui forte e respondi :
- Não está não. Eu queria fazer denúncia.
O delegado ainda curtia comigo :
- Mamãe te bateu demais, foi ? - e soltou uma gargalhada.
- Não senhor, eu fui torturada sexualmente e só agora que criei coragem de dizer isto para alguém.
O delegado pareceu não acreditar, ficou sério e me perguntou :
- Quem fez isso com você ?
- Foi Pedro - gaguejei - o pedreiro. Isso foi há três meses atrás.
O delegado ainda parecia não acreditar em mim, mal me deu os ouvidos e disse :
- Cuidaremos do caso, tenha uma boa tarde.
Indignada perguntei :
- Como assim o senhor cuidará do caso? Você ao menos sabe quem ele é? Se quiser, sei onde ele mora e tenho o número daquele desgraçado ! Vamos lá A-G-O-R-A !
O delegado apenas me disse :
- Você é apenas mais uma das milhões de mulheres que já sofreram abuso sexual.
- Você é um cretino, que não tem sentimentos. Que Deus o perdoe e a Pedro também, pois eu, jamais farei isso !
Com ódio de mim mesma, fui embora. Cheguei em casa, não havia ninguém. Peguei algumas roupas e escrevi um bilhete : Mãe, estou indo embora, mas jamais esquecerei da senhora. Não deixe jamais de me amar e de orar por mim. Meu pai saberá cuidar muito bem da senhora. Um dia, quem sabe, voltarei. Sentirei saudades de todos. Eu amo você ! E pai, obrigada por tudo, me perdoe , é tudo o que eu te peço. Eu te amo !
Hoje, após 15 anos, apenas conto nos dedos os dias que ainda me restam de vida, pois aquele trauma vivido no passado apenas me fez ver que neste mundo, nós seres humanos não passamos de meras sucatas as quais com o passar do tempo não terão a sorte de sofrer uma reciclagem, e sim uma decomposição em algum lugar podre e sombrio.

Um comentário:

  1. Que texto. Tenso ele. Gostei muito da última frase, " e sim uma decomposição em algum lugar podre e sombrio. " E é isso mesmo, as atitudes só vem quando quem dá o primeiro passo somos nós. Excelente texto adri, parabéns !

    Beijo

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